A cidade e A CIDADE: Florianópolis como cidade que protege, como cidade que quer tirar a proteção.

19/09/2025 09:35

Prezados,

Inicialmente indico que o texto abaixo foi escrito de forma direta e simples, para que qualquer leitor compreenda e reflita sobre atos e ações relacionados à cidade, antes mesmo que aconteçam!

Existe um livro de ficção científica bem interessante chamado “A cidade e a cidade” do escritor britânico China Miéville, no livro o autor retrata duas cidades com culturas e populações distintas ocupam o mesmo espaço geográfico. A obra é ponto de partida para reconhecermos autoritarismos e segregação, e de certa forma, também retrata as nossas cidades no mundo real, como a cidade de Florianópolis. No livro o autor demonstra que as pessoas pensam, vivem e agem de forma bem diferente. Por aqui tem sido assim também, e no mesmo espaço geográfico! Há concepções de cidade bem distintas! E, o mais importante, do que se espera e se planeja para a cidade.

Nessa cidade, onde os limites municipais englobam mais de metade em áreas protegidas, seja como áreas de preservação permanente (APP), seja como Unidades de Conservação, a câmara municipal, na contramão do mundo racional, cria um relatório de uma comissão que tem em suas conclusões reestruturar as Unidades de Conservação. De fato, retirando a proteção de muitos ambientes.

Como na obra de ficção científica de Miéville, também aqui alguns representantes do legislativo tencionam ser autoritários e contra o bem público. O bem público, único e fundamental, a NATUREZA.

Florianópolis é pouco conhecida como Cidade. Alguém duvida? Vejam os prospectos e a divulgação do turismo, sol, mar, morros exuberantes, lagoas, dunas, manguezais, rios de água doce com cachoeiras em meio a Unidades de Conservação nas encostas, essa é de fato a divulgação turística que atrai os visitantes. Ou alguém vem pelo shopping? (que tem em todo o lugar!).

E Florianópolis tem muitos ambientes naturais, protegidos pelas 22 Unidades de Conservação que existem aqui! Esse bem público, que é de todos, está sob ameaça iminente!

As Unidades de Conservação da Natureza, que já existem no mundo desde 1872, são fundamentais para a proteção dos ambientes naturais, e são a forma mais adequada de gestão e manejo do patrimônio natural e em muitos casos culturais também (dos povos e comunidades tradicionais). No Brasil o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza, o SNUC, criado pela Lei Federal 9985/2000, indica como devem ser criadas e como deve ser a gestão dessas áreas protegidas. As Unidades de Conservação da Natureza são a principal estratégia mundial de proteção a natureza e de manutenção dos serviços ecossistêmicos.

Contudo, na contramão de todo e qualquer conhecimento científico, e mesmo legal, alguns representantes do legislativo municipal invertem a importância desses espaços, indicando que são um problema legal e principalmente para algumas propriedades. Ora, a legislação nacional desde a Constituição Federal de 1988 garante o direito à propriedade, mas condiciona-o ao cumprimento de sua função social, permitindo que o interesse público prevaleça sobre o individual quando necessário. Isso está expresso nFunção social da propriedade, no art. 5º, XXIII “a propriedade atenderá a sua função social”. Também como Princípio da supremacia do interesse público, trata-se de um princípio jurídico reconhecido, presente em diversos dispositivos, como: desapropriação por necessidade ou utilidade pública (art. 5º, XXIV); política urbana (art. 182, §2º); e na política agrícola e reforma agrária (art. 184 e seguintes).

Não seria de interesse coletivo manter as áreas protegidas que nos dão serviços ecossistêmicos, protegem a fauna e a flora, nos dão a beleza dessa Ilha da magia?

Como na obra de Miéville, essa cidade está em disputa, mas aqui a disputa parece ser entre uma ideia de cidade que quer manter os ambientes naturais fundamentais à saúde pública e social, e outro projeto que quer individualizar e capitalizar esses espaços.

Vejam, as Unidades de Conservação além de protegerem encostas, nascentes, fauna e flora, diminuem a temperatura ambiente na cidade, funcionam como um ar condicionado natural para as aglomerações urbanas mais próximas, também são, como já escrito nesse texto, a principal atração da cidade. Muitas de nossas áreas protegidas vão do morro ao mar, protegem dunas, restingas e manguezais, portanto também protegem o solo contra a erosão costeira.

O objetivo deste texto é tentar abrir um diálogo com os representantes do legislativo, desde que, claro esses estejam interessados no bem público e de todos. Que possam ler mais e conhecer a importância desses espaços para a vida, de todos os seres que aqui vivem e que dependem da floresta, dos banhados, das dunas. O que inclui o ser humano, como ser que precisa de acesso aos bens naturais, bens esses que o suprem com os serviços ecossistêmicos fundamentais.

Retirar, reduzir, modificar as Unidades de Conservação municipais é ir contra qualquer ética moral de proteção à vida.

Espero que reflitam e que a sociedade organizada possa proteger o bem público que é de todos e de todas.

at.

Prof. Orlando Ferretti

Coordenador do Observatório de Áreas Protegidas.

Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina.